sábado, 13 de dezembro de 2008

Rádio Saara

O lema e a rima


Meu filho! Moço, cadê meu filho?! Cadê meu filho?!

A mãe desesperada em busca do filho perdido nas lojas da Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega (Saara) não era a primeira a aparecer procurando seu filho na cobertura 2 do número 91 da Avenida Passos, no Centro do Rio de Janeiro. Ali é a Rádio Saara, e seu lema "Utilidade pública em primeiro lugar" parece ser levado a sério, mesmo que a maior parte da programação seja de comerciais e músicas. Mas aquela mãe não sabia que, minutos antes de bater na porta da Rádio desesperada atrás de sua cria, Alan "Gatinho", o faz-tudo, havia anunciado que seu filho estava numa das centenas de lojas da feira. "Ela devia estar no elevador quando eu anunciei", cogita ele, com o orgulho estufando o peito disfarçado num sorriso tímido. Após ser informada de que o filho está na loja tal, a mulher vai embora, aliviada, e o pessoal da Rádio diz, com um meio-sorriso: "Isso acontece sempre."

De fato, perder alguém ou algo no caos da feira lá embaixo não é nada difícil, e a Rádio é um ponto de referência para onde os perdidos recorrem em caso de desespero (ou nem tanto). Quem costuma ir à Saara já conhece o som característico do momento cívico da Rádio: uma freada seguida por uma sirene e a voz retumbante de Lido, o diretor: "Atenção, atenção! Utilidade pública Saara", com direito a bis. Esse é o ponto, e então Alan "Gatinho" começa o seu comunicado sobre o marido, a esposa, o filho ou a carteira perdida:





Como não somos bobas nem nada, resolvemos aprontar e pedimos a Lido com muita educação e charme para que um dos membros do CSS (lê-se “Com sede na Saara, e não “Cansei de ser sexy”) anunciasse algum momento de utilidade pública. Lido primeiramente negou, mas, vendo nossos lindos rostinhos frustrados, concordou e acompanhou tudo passo-a-passo. Monike foi a escolhida para participar e, modéstia à parte, fez seu serviço muito bem feito:





Sem escândalo não tem graça

O que provavelmente é mais característico da Rádio Saara — embora seus organizadores digam que é a “utilidade pública” — são os comerciais. “Pra chamar atenção naquela barulheira lá debaixo tem que ser uma coisa diferente, que chame a atenção”, explica Lido, que muitas vezes ajuda os comerciantes a fazerem seus anúncios. De fato, é difícil não prestar atenção quando se ouve uma voz de taquara rachada gritando esganiçadamente eu quero cabelos, eu quero cabelos, lá na Vigohair eu compro meus cabelos... “O comercial da Vigohair é meio irritante”, confidencia Samir Mozart, operador de som da Rádio. Bom, nós o disponibilizamos (junto com outros) aqui para os leitores concordarem ou não com Samir:





Lido explicou que muitas vezes os clientes vão com material pronto ou gravam ali mesmo, na Rádio. E eles fazem de tudo para que o comercial seja diferente e chame a atenção. “A Casas Pedro usou até gay uma vez.” O “pioneirismo” (???) das Casas Pedro nos levou até seu dono, seu Said Mussalem. Fomos na principal das oito filiais da loja de temperos que existem na Saara hoje e, depois de perguntarmos a um funcionário onde estava o seu Said, ele nos apontou um senhor sentado no meio de uma pequena praça. Nessa hora entendemos por que existem os estereótipos: seu Said Mussalem era um senhor nos seus sessenta e poucos anos, uma barriga proeminente, um enorme bigode embaixo de um nariz também chamativo e — não poderia faltar — um charuto imenso na boca. Quando fomos estabelecer contato com o dono das Casas Pedro, os muitos outros senhores que rodeavam seu Said não pararam de dizer que aquele era “o dono da Saara”, que “mandava na Rádio”. Quando os convencemos de que não, não queríamos um emprego, descobrimos que seu Said era o maior anunciante da Rádio e pagava por volta de três mil reais por anúncio. Em relação ao tipo de comercial, ele concorda com Lido: “Os comerciais têm que chamar a atenção, teve um que até colocamos um gay falando”.


Nos próximos posts, a Rádio Saara desvendada mais a fundo: achados & perdidos e pefil de Lido, o Diretor.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Um grande lançamento

Por entre as ruelas estreitas e abarrotadas da Saara, é certo encontrar nas esquinas mais movimentadas vendedores de DVDs piratas. É raro, no entanto, ver um deles caminhando solitário em busca de novos consumidores. Normalmente, se juntam em grupos de dois ou mais e conversam animadamente como se ignorassem os potenciais compradores passantes - mas não lhe faltam clientes. Isso acaba, junto com o fato de que o que fazem é ilegal, lhes dando um ar mais meliante ainda.

Os DVDs são expostos em grades brancas que se subdividem de acordo com a categoria de filme: infantil, pornô e o resto. De acordo com um dos vendedores com quem conversei, o que mais vende - “você vai me perdoar de dizer isso, viu, moça?” - são os pornôs mesmo. Depois vêm os infantis, seguidos pelos “polícia e bandido”, também conhecidos como favela movies.

Essa categoria, que (ainda) não merece sua própria subdivisão na grade, vende bastante se tivermos em mente o fato de que não existem tantos filmes assim dentro dela. Isso, no entanto, não impede os vendedores de sempre terem inúmeros sucessos para oferecer àqueles que estão buscando um pouco de perseguição policial à La Rio de Janeiro.

Se o cinema parou em Cidade dos Homens e Última Parada: 174, a Saara já lançou Tropa de Elite 2, 3 e 4 e ainda cria novos hits como o Cara e Coroa, que “ainda não saiu nos cinemas” - disse um vendedor, como se querendo me induzir a acreditar que aquele seria um repeteco promissor do Tropa de Elite.

OK, comprei a idéia, ou melhor, o Cara e Coroa, por dez reais. Bem que eu tentei por menos, mas o cara que me vendeu disse que ele só tinha a versão pintada e não mais a que é só mídia, mais barata. Traduzindo: ele só tinha a que vem com caixinha, encarte e o DVD caracterizado por um adesivo com o nome do filme, e não mais aquela que é só o DVD, identificado por uma caneta azul, enfiado em um saquinho plástico poeirento.

A capa do meu DVD pirata recém adquirido trazia imagens de policiais vestidos de preto revistando bandidos magrelos e sem camisa virados para uma parede de tijolos e cimento – cena não encontrada no filme, aliás. Perguntando a outros vendedores, descobri que o filme, ainda apócrifo para mim (não tinha o nome de ninguém na capa), era um grande sucesso da pirataria brasileira. Parece que tem sido vendido em camelódromos de todo o país.

Chegando em casa, morta de curiosidade, logo fui assistir o DVD de origem obscura. Pensei, sem grandes esperanças, que poderia ser um documentário sobre favelas no Rio - ou muito antigo ou estrangeiro no estilo Discovery Chanel, como são alguns dos Tropas de Elite encontrados na Saara. Nunca poderia imaginar que de fato era um lançamento. Eu tinha em mãos um filme inédito!

Bom... Na verdade...

Tratava-se de uma produção independente tosca e sanguinária: os planos tendiam a cortar cabeças. Com armas de plástico e liderados por um chefão que mais parecia o gordinho que me vendeu o DVD do que com qualquer protótipo de Marcinho VP, os traficantes não convenciam. Pela quantidade de agradecimentos no final do filme, todos os atores pareciam ser amigos quebrando um galho para Leo Colle, diretor, roteirista, produtor, figurinista... Enfim, o cara que fez o filme.

Cara e Coroa é um curta-metragem (tem aproximadamente 20 minutos de duração) sobre um policial corrupto que recebe dinheiro de um traficante de drogas do Morro Cabeça de Porco e seu filho, um policial honesto que quer acabar com aquela palhaçada. O pai, o coroa, e seus dois comparsas bigodudos sempre iam ao morro, no estilo malandrinho de óculos escuros e colete à prova de balas, coletar o arrego, e acaba tendo uma surpresa ruim ao final do filme.

Essa obra prima da pirataria é realmente uma das produções audiovisuais mais toscas que eu já vi. (Vindo de uma estudante de comunicação, acho que isso não quer dizer pouca coisa – dá pra imaginar o número de “produções independentes” que a gente vê por causa dos nossos coleguinhas.) Por isso, recomendo. Você vai rir bastante. Além do mais, ele pode ser achado no You Tube, não custando mais do que alguns minutos.

Para animar aqueles que não são muito fãs de filmes toscos, chamo atenção a uma das melhores parte do filme: a traficante lésbica. Magrinha, meio corcunda, vestida como um menino de 12 anos e com um boné para trás, ela é de longe a melhor personagem já inventada pelo favela movie. Com direito a beijo e tudo, a traficante lésbica deixa Capitão Nascimento no chinelo. Tá, não é para tanto.

Acho que a criação de personagens históricos dos filmes “polícia e bandido” está se tornando uma competição. É como inventar o mais novo super-herói, ou alguma coisa do gênero– com o carimbo Rio Favela City, para aqueles que gostam de exportar.

Pois é, fazer um filme brasileiro de sucesso hoje em dia parece até bastante simples: comece seu filme com um funk, coloque muitos meninos magrelos com armas maiores do que eles para correr, institua dois vocabulários que simbolizem a divisão do seu grupo de personagens em dois, tenha um grupo de homens de preto e óculos escuros a sua disposição, coloque uma favela na história e pronto! Mas tente escolher um funk bombante. Ajuda muito.

Agora, para ser sucesso nacional mesmo, a fórmula é simples: faça com que um bom distribuidor de DVDs piratas goste do seu filme.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Deixando a Saara te levar

De deserto a Saara só tem o calor. No centro do Rio de Janeiro, próximo à Candelária, com parte voltada para a Avenida Presidente Vargas, os stands, as lojas e as barracas se distribuem pelas ruas cheias de pessoas afoitas pelo consumo barato de vários tipos de artefatos, desde os religiosos até os eróticos. Aquilo lá explode ao meio-dia.

O som das caixinhas da Rádio Saara penduradas junto com as bandeirinhas sobre as nossas cabeças competem com os gritos das promoções e com as músicas de variado repertório. O funk do stand de CDs piratas se mistura com o quero te servir, aleluia da loja gospel, que por sua vez, aumenta o som para ser ouvida até a barraca de hits dos anos 80. Quem quiser continuar ouvindo Madonna não dê mais dois passos à frente, a menos que queira escutar ado, a-ado, cada um no seu quadrado. E poucos respeitam as arestas.

Tá bonito, tá bonito, tá beleza. Todos querem chamar atenção, todos querem seu olhar, mas antes seu ouvido. As cores já perderam espaço para tanto barulho. Até porque elas gritam demais aos olhos, como oásis a alguém saciado.

Então, sem essa de definir Saara como feira popular do Rio de Janeiro. A Saara é um verdadeiro bloco de carnaval. Mesmo no frio dos outonos e invernos a feira tem cara de rio 40 graus. E quem vai para lá não vai só para ver a banda passar. Vai para curtir o pancadão de ofertas. Os trabalhadores comerciantes aproveitam para cair na gandaia e não fogem da raia. Tentam te convencer a levar o mata-mosquito por dez reais, enquanto ali na frente tem o moço legal que faz um descontinho, e você acaba levando por oito.

Enquanto isso, a mocinha de cabelos da hora com seu Ipod passa pelo sessentão boa-praça sentado com seu radinho à pilha sintonizado no AM. Dali a frente passa o rapaz de blusa estampada com a foto de um cantor de hip hop. Logo atrás vem a senhora que procura o novo CD do Padre Marcelo Rossi por um precinho camarada. E as crianças pedem à mãe o DVD do grupo mexicano RBD. E ainda tem os turistas que vão apreciar todo esse exotismo-de-estampa-colorida da feira com cara de festa, festa à popular brasileira.