O lema e a rima
Meu filho! Moço, cadê meu filho?! Cadê meu filho?!
A mãe desesperada em busca do filho perdido nas lojas da Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega (Saara) não era a primeira a aparecer procurando seu filho na cobertura 2 do número 91 da Avenida Passos, no Centro do Rio de Janeiro. Ali é a Rádio Saara, e seu lema "Utilidade pública em primeiro lugar" parece ser levado a sério, mesmo que a maior parte da programação seja de comerciais e músicas. Mas aquela mãe não sabia que, minutos antes de bater na porta da Rádio desesperada atrás de sua cria, Alan "Gatinho", o faz-tudo, havia anunciado que seu filho estava numa das centenas de lojas da feira. "Ela devia estar no elevador quando eu anunciei", cogita ele, com o orgulho estufando o peito disfarçado num sorriso tímido. Após ser informada de que o filho está na loja tal, a mulher vai embora, aliviada, e o pessoal da Rádio diz, com um meio-sorriso: "Isso acontece sempre."
De fato, perder alguém ou algo no caos da feira lá embaixo não é nada difícil, e a Rádio é um ponto de referência para onde os perdidos recorrem em caso de desespero (ou nem tanto). Quem costuma ir à Saara já conhece o som característico do momento cívico da Rádio: uma freada seguida por uma sirene e a voz retumbante de Lido, o diretor: "Atenção, atenção! Utilidade pública Saara", com direito a bis. Esse é o ponto, e então Alan "Gatinho" começa o seu comunicado sobre o marido, a esposa, o filho ou a carteira perdida:
Como não somos bobas nem nada, resolvemos aprontar e pedimos a Lido com muita educação e charme para que um dos membros do CSS (lê-se “Com sede na Saara, e não “Cansei de ser sexy”) anunciasse algum momento de utilidade pública. Lido primeiramente negou, mas, vendo nossos lindos rostinhos frustrados, concordou e acompanhou tudo passo-a-passo. Monike foi a escolhida para participar e, modéstia à parte, fez seu serviço muito bem feito:
Sem escândalo não tem graça
O que provavelmente é mais característico da Rádio Saara — embora seus organizadores digam que é a “utilidade pública” — são os comerciais. “Pra chamar atenção naquela barulheira lá debaixo tem que ser uma coisa diferente, que chame a atenção”, explica Lido, que muitas vezes ajuda os comerciantes a fazerem seus anúncios. De fato, é difícil não prestar atenção quando se ouve uma voz de taquara rachada gritando esganiçadamente eu quero cabelos, eu quero cabelos, lá na Vigohair eu compro meus cabelos... “O comercial da Vigohair é meio irritante”, confidencia Samir Mozart, operador de som da Rádio. Bom, nós o disponibilizamos (junto com outros) aqui para os leitores concordarem ou não com Samir:
Lido explicou que muitas vezes os clientes vão com material pronto ou gravam ali mesmo, na Rádio. E eles fazem de tudo para que o comercial seja diferente e chame a atenção. “A Casas Pedro usou até gay uma vez.” O “pioneirismo” (???) das Casas Pedro nos levou até seu dono, seu Said Mussalem. Fomos na principal das oito filiais da loja de temperos que existem na Saara hoje e, depois de perguntarmos a um funcionário onde estava o seu Said, ele nos apontou um senhor sentado no meio de uma pequena praça. Nessa hora entendemos por que existem os estereótipos: seu Said Mussalem era um senhor nos seus sessenta e poucos anos, uma barriga proeminente, um enorme bigode embaixo de um nariz também chamativo e — não poderia faltar — um charuto imenso na boca. Quando fomos estabelecer contato com o dono das Casas Pedro, os muitos outros senhores que rodeavam seu Said não pararam de dizer que aquele era “o dono da Saara”, que “mandava na Rádio”. Quando os convencemos de que não, não queríamos um emprego, descobrimos que seu Said era o maior anunciante da Rádio e pagava por volta de três mil reais por anúncio. Em relação ao tipo de comercial, ele concorda com Lido: “Os comerciais têm que chamar a atenção, teve um que até colocamos um gay falando”.
Nos próximos posts, a Rádio Saara desvendada mais a fundo: achados & perdidos e pefil de Lido, o Diretor.